revas pri vi
do sono, diferente do destino, não se escapa
do sol que passa por nossas cabeças à lua que as vezes até se esconde, essa luz que nos inunda das retinas até os mais profundos recônditos de nossa cabeça dita um ritmo que nos prende aos seus desígnios, faz nosso corpo inundar da química que nos prende fisicamente à materialidade do sono. e disso não escapamos a não ser com o padecimento completo, até a falha
do destino, quem sabe
e construímos religiões, construtos, filosofias e teorias e tantos castelos de palavras em tantas línguas vivas e mortas pra dizer o que quer que seja sobre ele
se prisão, se causalidade, se até mesmo podemos falar disso como algo além de apenas palavra pra coisas aí que não precisamos pegar com as mãos e sentir sua textura
e se a própria realidade do destino existe ou não, pouco importa nas horas que a gente se pega pensando à frente do tempo de agora, e pouco importa nas horas que a gente se pega olhando pra trás e procurando explicação e justificativa e sentido, sentindo
do destino, quem sabe
mas do sono não se escapa, uma hora sucumbimos e entregamos a nossa própria máquina aos seus caprichos
do sonho, se escapa
se esquece, se mergulha, se perde
o sonho surge do sono e surge da vigília da mesma forma, tecendo sua historinha de dentro pra fora como a mágica de um feiticeiro oculto nos cantos que se escondem do sono, da vigília, da investigação e da observação
e é talvez o mais próximo da magia que exista, evocações de fantasmas, necromancias fluidas e vaporosas, o poder demiúrgico que cada um é capaz de acessar apenas existindo, apenas seguindo o ritmo que a luz do sol dita do mais profundo e pineal pedacinho de nossa máquina
o sonho escreve suas histórias com os destroços mais rasos, os entulhos mais profundos, os escombros esquecidos, as ruínas que despontam na memória o tempo inteiro como a farpa lembra o dedo, como o cisco lembra a lágrima, como a fome lembra a boca, como o frio lembra o tato
e esse mar que o sonho transborda no oceano escondido dentro de nós as vezes é até navegável, mas as vezes também, quando a gente se deixa, é só o meio onde boiamos entregues aos desígnios do sono, ou onde mapeamos sua cartografia náutica enquanto acordados, pensando suas baias, cabos, golfos, rodamoinhos e monstros marinhos à assombrar aqui e ali
mas as vezes, o sonho escapa
e resta o vazio do sono, o vazio do acordar, o vazio de um leito seco rasgado na geografia, o vazio de um mapa antigo, em aberto nas suas bordas, esperando alguém desbravar um mundo que ainda esconde segredos e terrenos à explorar, povos a descobrir e tantos genocídios por chegar
mas um sonho arrancado sempre deixa sua marca, sua presença gritando pela falta, o buraco dizendo aqui existia algo, o assombro do vácuo que a física até tem todas suas explicações de como funciona e se comporta, como se fosse um bicho feroz e mortífero, mas que é só um nada, o mais simples nada
dormir e sonhar se abraçam as vezes, acordar e sonhar se flertam aqui e ali, mas quando o sonho é como uma ave migratória, que sente todas as forças magnéticas invisíveis da própria terra, e decide que é hora de voar, dormir e acordar viram só função corporal, ritmo circadiano, melatonina, adenosina, serotonina, bocejo, olhos fechados
e se isso é destino ou não, quem sabe.